quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Quanto mais se encarcera, mais se fortalece o PCC"

O Primeiro Comando da Capital extrapolou as fronteiras. Vinte anos depois de seu nascimento, a facção passa por um processo de nacionalização e ganha ramificações em estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Sergipe e Pernambuco. Ao mesmo tempo, o grupo hoje se mostra como força hegemônica em sua base de origem, São Paulo – o que, por uma lógica cruel, explica em parte a queda dos homicídios nas áreas de seus domínios.
Com controle sobre 90% do total de 200 mil presos e o monopólio do mercado de drogas, a facção passou a mediar e regular disputas do mundo do crime, rompendo ciclos de vingança, avalia a socióloga Camila Nunes Dias, autora de PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência (Editora Saraiva), que tem lançamento nesta quarta-feira 5. Segundo ela, a facção é atualmente um “importante ator político”, uma vez que detém poder e capacidade para desestabilizar a política de segurança pública do Estado.
Para o livro, que nasceu de sua tese de doutorado, a pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP e professora da Universidade Federal do ABC utilizou documentos oficiais, entrevistas com autoridades da área de segurança e material coletado de conversas privadas com 32 presos para contar a história da facção. Uma trajetória, ela explica a CartaCapital, fruto direto de um “círculo vicioso perverso” que tem a política de encarceramento em massa como protagonista: "Quanto mais se encarcera, mais se fortalece o PCC."
Leia os principais trechos da entrevista:
CartaCapital – Como atua o PCC hoje e qual é sua extensão dentro e fora das prisões?
Camila Nunes Dias –
 De forma geral, hoje o PCC representa uma hegemonia no sistema prisional do estado de São Paulo, não apenas no sistema prisional, mas em todo mundo do crime. No estado, cerca de 90% das prisões são controladas pelo PCC. Fora de São Paulo, vejo que, de uns cinco anos para cá, o PCC está em um processo de nacionalização e tem presença significativa em estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Sergipe e Pernambuco. Nesses e em outros lugares, no entanto, seu peso ou entrada dependerá da articulação dos grupos criminosos locais. No Rio de Janeiro, até onde sei, o PCC não entra porque lá existem outros grupos, com quem se estabelecem acordos até. Já em Santa Catarina, por exemplo, o PCC tenta alguns acordos em que fornece a droga a ser comercializada. A forma de inserção, portanto, é variada em cada estado e depende muito da estrutura local.
CC – Qual o papel que o PCC tem hoje na ‘segurança’?
CND – No caso de São Paulo, tem um papel importante uma vez que controla o monopólio de drogas e 90% dos 200 mil presos do estado hoje, sem dúvida, fonte de muito poder. Se lembrarmos as crises de segurança pública de 2001, 2006 e 2012, vemos que o PCC estava à frente de todas. Trata-se, portanto, de um ator político extremamente importante, no sentido de que tem o poder e a capacidade de desestabilizar a política de segurança do Estado.
CC – Qual a relação entre o PCC e a queda de homicídios, dentro e fora do sistema prisional?
CDN – 
Vemos uma queda vertiginosa da taxa de homicídio a partir dos anos 2000. Esse movimento começa em 2001 e se acentua a partir de 2005, período que corresponde ao momento de expansão do PCC para além do sistema prisional, estabelecendo-se nos bairros de periferia e construindo uma hegemonia fora da prisão. Penso que uma queda de 80% na taxa de homicídio não se explica só por fatores como expansão do sistema prisional, aumento da presença de ONG na periferia. No momento em que o PCC passa a mediar e regular disputas do mundo do crime, especialmente do mercado de drogas, o processo cíclico de vingança e violência anárquico de antes passa para a capacidade de controle do PCC. Se antes se tinha um mercado de drogas extremamente fragmentado e pulverizado, ocupado por grupos que entravam em conflito por território e venda, quando o PCC passa a controlar esse mercado, essas disputas deixam de existir. E, se elas ocorrem, o PCC se mostra essa instância de mediação, que acabou rompendo ciclos de vingança.
CC – E de que maneira o grupo acaba se fortalecendo?
CDN – Por ser hegemônico e ter poder consolidado, consegue garantir a manutenção da ordem social no sistema prisional. Falo em ordem na visão do Estado, com ausência de rebeliões, motins, e não de melhoria das condições das prisões, que são deploráveis. A manutenção da ordem é realmente conseguir segurar para não haver rebeliões diante das superlotações. Por conta dessa hegemonia do PCC que consegue manter essa ordem não ouvimos falar de rebelião recentemente.
CC – Como são as etapas desse processo de fortalecimento?
CDN – Há três fases. A primeira, de conquista de território, vai de sua criação dentro do anexo da Casa de Custódia de Taubaté (conhecido como Piranhão) em 1993 até 1995, quando esses primeiros integrantes do PCC são transferidos e começam a impor uma forma de domínio. Foi uma fase marcada por muita violência, uma vez que nem toda população carcerária aceitava. Houve muitas rebeliões, assassinatos de presos e instabilidade do sistema prisional paulista. Em 2001, quando o PCC faz a primeira megarrebelião em 29 unidades prisionais, passa a ser publicizado. Trata-se da segunda fase de expansão e constituição do PCC como ator politico, já que o Estado é obrigado a reconhecer sua existência e tenta uma série de ações para contê-lo, como o Regime Disciplinar Diferenciado [que prevê 23 horas em confinamento solitário], que vejo como uma fábrica de monstros. Em 2006, nos eventos de maio, o PCC explicita então a consolidação do seu poder dentro e fora das prisões. Dentro das prisões, foram 74 unidades que se rebelaram simultaneamente, enquanto do lado de fora lançaram mão de ataques a bancos, polícia etc. Acredito que os ataques de 2006 foram a gota d’água de uma crise desenhada desde 2005, marcada pela relação dos criminosos com a policia, aumento de casos de extorsão e que teve seu estopim na transferência de alguns membros para Presidente Venceslau. Depois temos um período marcado por certa estabilidade até os ataques de 2012, que foram bem pontuais e com um alvo específico: policiais militares. Foi uma reação às execuções que vinham sendo feitas pela polícia.
CC – Além da manutenção da “ordem”, dentro dos presídios como funciona o trabalho do PCC?
CDN – Não há acordos explícitos com os agentes, mas em todas as unidades do PCC há grupos responsáveis pela dinâmica prisional, seja resolvendo conflitos entre presos ou entre presos e funcionários. Tudo depende muito de cada unidade, mas em algumas o próprio PCC é quem distribui os medicamentos e produtos de higiene recebidos. Além disso, o comércio de drogas, cigarros e bebidas também é controlado pelo grupo.
CC – Existe ligação do PCC com grupos de outros países?
CDN – Acho que o PCC tem uma relação forte com produtores e intermediários do Paraguai, de onde vem maconha, e também com o Peru, que manda cocaína para o Brasil. Também já li que membros do PCC tiveram contato com integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mas não se mantêm relação.
CC – O avanço e consolidação do PCC é fruto direto da política de encarceramento em massa?
CDN – Não tenho dúvida disso. Eu diria, até mesmo, que um dos principais aliados do PCC é esse processo de encarceramento em massa. Quanto mais se encarcera, mais se fortalece o PCC.  Paralelamente, fortalece-se a própria ideologia de que é importante defender o PCC para combater o Estado como inimigo. Então, quanto piores forem as condições das prisões, mais força ganha esse discurso também. Assim como quanto maior a violência policial, maior a contribuição para reforçar essa ideologia. Hoje vivemos um círculo vicioso perverso: o Estado encarcera mais e acaba reforçando o poder do PCC. As condições dos presídios são péssimas, os presos acabam saindo piores do que entraram, cometem mais crimes e voltam para as prisões.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Breve entrevista com o sociólogo Manuel Castells pela Folha SP

Ação em rede social não basta para mobilizar as pessoas, diz sociólogo

ROBERTO DIAS
SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO

O franquismo dominava a cena espanhola quando um estudante de 18 anos decidiu entrar nos cinemas de Barcelona para alterar seu enredo.
Escolheu salas na periferia, aproveitou a escuridão para deixar folhetos de protesto nas cadeiras e terminou a noite com uma sensação: "As palavras que eu havia transmitido poderiam mudar algumas mentes que acabariam por mudar o mundo".
O objetivo principal não foi alcançado, e a ditadura espanhola perdurou até os anos 1970. Décadas mais tarde, ao descrever seu ato, Manuel Castells concluiu que ignorava coisas importantes da comunicação. "Não sabia que a mensagem só é eficaz se o destinatário estiver disposto a recebê-la e se for possível identificar o mensageiro e ele for de confiança", escreveu.
O jovem revolucionário acabou exilado em Paris, onde deu início a uma trajetória que fez dele um dos mais destacados sociólogos do mundo. Famoso por estudar sobre poder das redes e o impacto social da informação, Castells diz, em entrevista por e-mail, que o Facebook sozinho não é capaz de mudar a história.
Marcelo Justo - 17.jun.2010/Folhapress
O sociólogo espanhol Manuel Castells
O sociólogo espanhol Manuel Castells
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Folha - Os jovens espanhóis que saíram várias vezes às ruas e acamparam em lugares como a praça Catalunya [na região central de Barcelona] continuam sememprego, e a coisa piorou desde então. O movimento fracassou?
Manuel Castells - É a única esperança que sobra em um país com 27% de desemprego, 53% de desemprego juvenil e com apenas 26% dos cidadãos neste momento apoiando um dos dois grandes partidos.
Hoje, 70% da população concorda com o movimento, porém não existe, por ora, uma expressão política institucional dessa crítica frontal a todo o sistema. Mas a mudança já aconteceu na cabeça das pessoas. E isso é o essencial na mudança social.
O sr. diz que esses novos movimentos, nascidos na internet, estão recriando a democracia. Mas no Brasil não é incomum que protestos organizados por dezenas de milhares no Facebook não cheguem a reunir centenas de pessoas na rua. Esses movimentos têm mesmo toda essa capacidade?
Isso depende das condições de cada país. Na Espanha, chegaram a ser centenas de milhares. Nos Estados Unidos, aconteceram ocupações urbanas em mil cidades. Na Itália, saiu daí o movimento Cinco Estrelas, o partido mais votado [nas eleições parlamentares deste ano]. No Chile, os estudantes mudaram o panorama político do país.
Mas é claro que não basta um manifesto no Facebook para mobilizar milhares de pessoas. Isso depende do nível de descontentamento popular e da capacidade de mobilização de imagens e palavras. A internet é uma condição necessária mas não suficiente para que existam movimentos sociais.
Se o que aconteceu na Itália com Beppe Grillo [líder do Cinco Estrelas] pode ser considerado um desses movimentos, pergunto: para que ele serviu então?[Embora fosse o partido mais votado, recusou-se a negociar e acabou ficando fora do novo governo.]
O Cinco Estrelas se situa entre o movimento e a política, mas surge de um clamor, que existe na sociedade italiana, por uma verdadeira democracia. O que aconteceu é que seu êxito bloqueou um sistema corrupto a serviço de uma classe política que na Itália se chama "A Casta".
E o Partido Democrático, em vez de desmentir as suspeitas e mudar suas práticas, faz um governo de aliança com [Silvio] Berlusconi, depois de fazer uma campanha para acabar com ele.
É provável que o Partido Democrático se fracione e que aconteça uma recomposição do sistema político. O Cinco Estrelas não é um partido do governo, mas é uma força que faz o sistema se regenerar.
Como o sr. vê a evolução da crise de representação dos Parlamentos, e que papel a imprensa tem nisso?
Todos os dados mundiais, exceto os da Escandinávia, mostram o desprestígio total dos políticos, partidos e parlamentos. Se os cidadãos pudessem, mandariam todos embora, mas o sistema bloqueou as saídas.
A imprensa costuma estar mediada pelos empresários e por suas alianças políticas. Felizmente, a liberdade de comunicação tem dois aliados fundamentais: o profissionalismo dos jornalistas e a rede.
Marina Silva propõe a criação de um novo partido político, que tem o nome simbólico de Rede. É possível para um político que esteve nos partidos tradicionais reinventar-se nesses novos movimentos?
Em geral, eu diria que não. Mas, conhecendo Marina Silva, se alguém tem a possibilidade de fazer isso, seria ela. Terá, entretanto, de enfrentar todo o sistema, porque um ponto sob o qual todos os partidos estão de acordo é manter o monopólio conjunto do poder.
Os chineses aprenderam a controlar a rede? Seu firewall [muro de censura na rede] já é reconhecido como um exemplo de sucesso tecnológico, como disse a revista "The Economist".
Não. Como dizem meus amigos hackers chineses, a Grande Barreira é um tigre de papel. O controle se faz com robôs que utilizam palavras-chave, como Tiananmen [o nome local para a Praça da Paz Celestial], basta não usar essas palavras.
Mesmo que tenham introduzido novas medidas tecnológicas, não há como controlar os milhões de blogs individuais, que são onde se gera o debate social ""não na página da "Economist" na web.
O que será do Facebook em cinco anos? Se o Facebook quer ser o "melhor jornal personalizado do mundo", como disse Mark Zuckerberg, como ficará sua relação com os meios tradicionais?
Nunca faço previsões. Mas o Facebook tem sucesso porque é personalizado. Qualquer tentativa de utilizar as pessoas em vez de ser utilizado por elas levará a uma competição com centenas de outros, como aquela em que o Facebook liquidou o MySpace. Quem não tem boa perspectiva são os meios de comunicação tradicionais, a menos que se reconvertam no modelo de "jornalismo em rede" que tenho analisado recentemente.
Aos poucos se está mudando o consumo de informação na rede para um modelo em que nem tudo o que está nela é gratuito. Como vê o futuro do jornalismo nesse sentido?
É um grave erro cobrar por informação na rede, a menos que a informação seja profissionalmente relevante, como no caso do [jornal americano de economia] "Wall Street Journal". Com as alternativas que existem na rede, o que acontece é que simplesmente se desvia o fluxo de leitores para outros canais informativos e de debate.
Há 14 anos, o sr. esteve no programa "Roda Viva", da TV Cultura, e disse que São Paulo tinha uma terrível gestão urbana, comparando-a à de Barcelona. Por que as metrópoles brasileiras não conseguem dar o passo que deu Barcelona, mesmo numa transformação tão grande como a de agora para o Mundial?
Barcelona tem muito mais problemas atualmente, mas, ainda assim, é uma das melhores cidades do mundo, e a qualidade da administração municipal é um fator importante para esse resultado.
As metrópoles brasileiras têm muito mais dificuldades objetivas, por seus níveis de pobreza, de violência e da força dos interesses especulativos no solo urbano e nas infraestruturas de transporte e de serviços.
Se houvesse um pacto entre partidos e instituições para deixar de lado diferenças partidárias e fazer um projeto de gestão urbana, estou seguro de que seria tecnicamente possível. Hoje, existem recursos e capacidade profissional no Brasil para melhorar a gestão urbana. É preciso vontade política e sentido de serviço ao cidadão.