domingo, 28 de fevereiro de 2010

Último vôo da andorinha solitária

Nesse post gostaria de lançar um texto de Renato Janine Ribeiro, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), sobre a filosofia no ensino médio! Boa leitura!


Último vôo da andorinha solitária
O futuro da filosofia no ensino médio está na parceria com outras disciplinas

Renato Janine Ribeiro*
A volta da filosofia ao ensino médio tem história. Em 1976, quando começava a lecionar filosofia na USP, fui dos que defenderam essa bandeira. A matéria constou do currículo até o fim da década de 60, quando o ensino médio - então chamado de "colegial" e dividido em "científico" e "clássico", sendo que o primeiro tinha mais classes e alunos - sofreu um golpe em sua qualidade. A razão era óbvia. O regime militar não queria que os jovens pensassem. Daí, aliás, o destaque dado aos vestibulares "de cruzinhas". Mais tarde, vim a saber qual a boa razão para saírem as provas dissertativas e entrarem as questões de múltipla escolha. Respostas em forma de redação eram uma loteria: a nota dependia do que "caísse" na prova. Lembro o medo que tínhamos, crianças, de sair o ponto que conhecíamos menos. Por isso, um exame com maior número de assuntos, cobrindo todo o programa, é mais justo. Gera poucas notas máximas, mas poucas distorções. Hoje, podemos chegar a uma síntese entre os dois modos de prova. O teste é útil para aferir conhecimentos obtidos. A prova dissertativa mede bem a capacidade de reflexão. O risco das múltiplas questões é ficar só na informação: o bom examinador é o que exige, mesmo nelas, um trabalho de reflexão. Já a dissertação é uma bobagem se for usada para avaliar apenas a informação adquirida. Seu melhor uso é quando a pergunta é inesperada - e se vê como o aluno elabora o imprevisto.

Discutíamos o ensino médio opondo conhecimento formativo e meramente informativo. A filosofia, como a sociologia, representava a qualidade. A alternativa seriam informações sem análise. Vendo de longe, estávamos no olho do furacão. A pior repressão se deu entre 1969 e 1974. A filosofia, em 1970, tinha saído das escolas. Mas daí a meros seis anos já víamos o ensino médio como degradado. Uma das causas disso foi, curiosamente, democrática. Existia um "exame de admissão" para entrar no ginásio, isto é, para passar do 4.º para o 5.º ano do primeiro grau. Era cruel: um vestibular feito por crianças de 10 anos. A esse preço, o ensino público era bom. Tínhamos colégios públicos melhores que os privados - mas eram poucos. Na zona sul de São Paulo havia o Alberto Levy, o Ennio Voss, o Alberto Conte. Ora, a ditadura arrebentou essa tranca e deu aos pobres acesso ao ginásio público, mas, degradando sua qualidade, acabou com o papel que ele tinha, de gerar elites.

Nesse quadro, muitos - entre outros, Marilena Chauí - nos mobilizamos pela volta da filosofia ao ensino médio. Queríamos espaço para a reflexão. Quem conhecia bem o assunto era Celso Favaretto, professor da PUC e, depois, da USP. Celso fez uma observação importante - e inquietante: o professor de filosofia, quando bom, tinha-se tornado o professor de reflexão. Mas com isso ele discutia qualquer assunto: cinema, comportamento, MPB. Daí vinha um problema. Embora filosofia seja uma atitude, um estilo, uma simpatia maior pela pergunta do que pela resposta, essa atitude não se constrói no vazio. Supõe um corpus de 2.500 anos. Sem isso, temos só um animador cultural. Mesmo ele, para funcionar, precisa ter adquirido um "estilo" que passa pelos nossos clássicos. Estudar estes últimos, aos 15 anos de idade, não é trivial. Requer cultura. Exige o domínio da língua, não só para ler, mas também para escrever. Quem domina todos esses matizes, quando a educação é degradada? Vivemos esse nó. Ele continua vivo e não é fácil desatá-lo. Por isso, perdi a fé no papel pujante da filosofia no ensino médio. Não adianta querer que os jovens "pensem" em abstrato: é preciso pensarem a partir de uma formação intelectual concreta. Isso não é fácil, quando a mídia deprecia o conhecimento - e quando o discurso escrito destoa tanto do mundo de imagens e sons em que, cada vez mais, vivemos.

Mas isso não quer dizer que a filosofia não tenha papel no ensino médio. Há um problema: dá para ensiná-la sem conteúdos filosóficos? E como evitar que eles sejam pesados e até incompreensíveis? O que defendo é que a filosofia não seja, no ensino médio, uma andorinha solitária. Se os alunos não conhecerem as riquezas da língua, não entenderão a precisão de um texto filosófico. A primeira parceria é, pois, com o professor de português. É parceria de mão dupla, porque a filosofia também pode ajudar, com os conceitos, a estudar a literatura. Como estudar o romantismo sem a filosofia romântica - uma filosofia que vá além das generalidades sobre Madame de Stael visitando a Alemanha? As outras parcerias podem variar. Penso na história, associando a filosofia com a política, a cultura, as descobertas; nas ciências, discutindo o "espírito científico" e suas mudanças no século 20 e 21; até na educação física, pois os filósofos pensaram muito o corpo (e muito contra o corpo...). Podemos desenhar programas de filosofia a partir dessas parcerias. Só receio uma filosofia sem aliados - e isso porque duas ou três horas semanais, o que me parece o mínimo razoável, é pouco, se não ressoarem no resto do ambiente. (Para comparar, no clássico tive três horas de filosofia por semana no 1.º ano, quatro no 2.º e cinco no 3.º. Era a matéria mais presente. No científico, ela aparecia só duas horas semanais, no 2.º ano). Também, desde que se preserve um conteúdo duro que seja filosófico, simpatizo com discussões sobre temas da vida atual. Mas essas discussões, nascendo da política ou da cultura ou do comportamento, não podem dispensar conteúdos filosóficos nem se pulverizar: gosto da idéia de ciclos de filmes, que dialoguem entre si, falando, por exemplo, na condição social dos personagens, no amor que vivem, na vinda do imigrante, na luta contra a opressão. Há muito espaço para pensar e, portanto, para a filosofia.

*Doutor em filosofia, Renato Janine Ribeiro é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Cassassão do mandato de Kassab...

A Justiça Eleitoral teria cassado o mandato do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (DEM) e da vice Alda Marco Antonio (PMDB) por doações consideradas ilegais durante a campanha eleitoral de 2008. A decisão foi tomada pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral, Aloísio Sérgio Resende Silveira.

A sentença deve ser publicada no Diário Oficial, na próxima terça-feira, a partir de quando começa a contar o prazo de três dias para o recurso dos acusados no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Mesmo com a cassação, Kassab pode recorrer no cargo. Segundo magistrado, a decisão foi coerente com outras deliberações, nas quais cassou os candidatos que tiveram mais de 20% das doações consideradas irregulares. No caso do prefeito paulista, o índice seria de aproximadamente 33%.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

No importa lo que me hicieron, lo que importa es lo que hago con lo que me hizo.

Encontro Internacional de Educação em Osasco

Caos na educação reflete o caos da sociedade burguesa

No dia 23.01 a imprensa burguesa noticiou que 40% dos professores temporários (ACTs) não conseguiram atingir a nota mínima no processo de seleção organizado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Devido ao baixo número de aprovados, o secretário Paulo Renato foi forçado a admitir que muitos professores que não alcançaram a nota mínima irão lecionar no ano de 2010, o que deslegitima todo o esforço que a Secretaria de Educação fez para aprovar as PLCs 19 e 20, enfrentando inclusive uma greve dos professores no ano passado. E cabe lembrar aqui, uma greve que foi boicotada pela direção majoritária da APEOESP, cujo resultado catastrófico (a aprovação dos PLCs) foi alardeado por essa direção como sendo uma “vitória”.

Poderíamos questionar em que medida essa prova realmente avalia o conhecimento dos professores. Mas, acima de tudo, esse fato demonstra algo brutal. Ele demonstra a que ponto a força de trabalho dos professores vem sendo destruída durante séculos de exploração capitalista. Essa degradação é conseqüência das péssimas condições da educação nas escolas e nas universidades, resultado inevitável da transformação da educação em mera mercadoria, cujo objetivo principal deixou de ser educar, mas valorizar o capital.

Na ânsia por valorizar seu capital, a burguesia ocupa todos os cantos do planeta. Como não poderia deixar de ser, o setor educacional brasileiro não escapa a essa lógica. Desenvolve-se toda uma rede de empresas que se beneficiam com todo esse sistema de avaliação. Para aplicar seu capital na área da educação a burguesia financia programas de “melhoria da educação”, como o Educação para Todos, monitorado pela UNESCO, que possibilita a contratação de várias empresas que formulam e imprimem as provas e apostilas, outras que dão suporte técnico para a formação dos professores, outras que produzem e vendem livros e equipamentos, como computadores, data-shows, etc... A maioria desses equipamentos são subutilizados nas escolas, mas para o capital isso não importa, pois o valor já foi valorizado. Esses são apenas alguns exemplos de como a educação pública é utilizada para gerar lucro ao grande capital. São formas de a educação pública entrar na reprodução do capital, mesmo que na instância da circulação, mesmo que apenas por meio da realização do valor.

O interesse dos governos, por sua vez, também está relacionado com a valorização do valor. Eles estão sempre ávidos por receber vultosas somas das agências de financiamento de projetos destinados a suposta “melhoria da educação”. Para receber o seu quinhão o Estado signatário do projeto deve comprovar que atingiu as metas. Assim, a realidade escolar é falsificada apenas para provar que as metas foram alcançadas e o governo receber novos financiamentos. Outra forma que os governantes encontram para aumentar os recursos é diminuindo o custo-escola, e fazem isso degradando as condições de trabalho do professor por meio do arrocho salarial e da superlotação das salas de aula. Assim, a destruição das condições de vida dos professores é o resultado desse processo violento de valorização do capital.

Afinal, para que serve a escola numa sociedade baseada na exploração do trabalho pelo capital? Na fase de agonia do capitalismo, a escola se tornou um grande depósito de gente: os alunos se tornaram prisioneiros atrás das grades das escolas, onde suas legítimas manifestações devem ser obrigatoriamente reprimidas, a fim de manter a ordem burguesa; os professores e funcionários cumprem, por sua vez, cada vez mais o papel de carcereiros. Portanto, o alto índice de reprovação dos professores nessa prova é apenas mais uma expressão da caótica situação da educação e toda a sociedade burguesa, submetida à irracional valorização do valor.


Publicado em 31.01.2010
por Conselho de Redação