quarta-feira, 2 de março de 2011

Uma vida-lazer

           


para quem não tem medo de lidar com a aridez da própria solidão, o filme "viajo porque preciso, volto porque te amo" pode ser uma experiência cinematográfica e tanto! e para quem, sim, tem medo de ficar consigo mesmo, o filme pode ser perturbador.

meio documantário, meio ficção, a película conta a história de uma geólogo que 'mergulha' por cerca 60 dias no sertão nordestino com o objetivo de mapear uma região que receberá a transposição de um rio e, principalmente, para fugir da beira do abismo, para fugir da dor que acarreta o fim de um grande amor.


a fuga, no entanto, cede lugar a um processo de profundo autoconhecimento, no qual o protagonista (que não aparece em nenhuma cena sequer) vai aprendendo a lidar com seus sentimentos - por mais contraditórios que eles pareçam.
loucura, saudade, medo, ódio, paixão - a gente passa a vida etiquetando o que sente. buscamos compreender, guardar cada sentimento no local mais apropriado, represar, ter controle. mas, no fundo, nenhuma dessas estratégias adianta muito...
.
à noite, antes de dormir, no escuro do quarto, em franco diálogo consigo mesmo, a gente bem sabe que as comportas do peito se abrem e já não é mais possível distinguir cada uma das milhares de sensações que nos inundam quando experimentamos um grande amor.
 
bueno, o fato é que a maneira como o protagonista narra suas experiências faz com que o espectador também viaje pelas suas vivências. mais do que isso, ele vai entrevistando gente pelo caminho. gente que vive nos rincões do brasil, gente que trabalha duro o dia inteiro, que também busca viver um grande amor, que já sofreu o pão que o diabo amassou e que sonha com coisas muito simples, como "uma vida-lazer" - conceito apresentado por uma das entrevistadas.
prostituta de profissão, a mulher diz que vai levando a vida assim enquanto não aparece nada melhor. no entanto, a mulher deixa claro que bom mesmo seria levar esta tal "vida-lazer" - algo como ter um companheiro com quem partilhar os dias, chegar em casa e encontrar-se com ele, amar, ver novela e sair aos domingos para passear com ele e os filhos. 
a trilha sonora é feita do que costumo chamar de "a fina flor da dor de cotovelo". um brega profundamente poético que vai se misturando com a incrível composição de imagens que vigora o tempo inteiro. 

filmado nos anos de 1999 e 2009, o longa é, também, um acervo histórico do sertão nordestino brasileiro neste período. dirigido por karim aïnouz (de madame satã e o céu de suely), e marcelo gomes (cinema, aspirinas e urubus), "viajo porque preciso, volto porque te amo" aperta, abre e espreme o coração da gente.


Nenhum comentário: